De
uma das torres do meu castelo fortificado, contemplei os mouros. Eles
vinham armados, gritando, quase enlouquecidos. Enviei a minha tropa
ao encontro deles, para fazer a defesa das minhas terras. No entanto,
eles eram muitos, cerca de oitocentos homens, e os meus soldados
foram quase todos abatidos. Esses bárbaros muçulmanos atravessaram
o Mar Mediterrâneo a fim de invadir a Europa. Infelizmente, as
minhas terras eram a porta de entrada de Portugal, pois estavam
localizadas no extremo sul do continente, próximo do estreito que dá
acesso a Àfrica. E o rei me abandonou, escondeu-se na sua corte, em
Lisboa. Talvez tenha rido do meu mensageiro, menosprezando-me e deve
o ter expulsado da corte à golpes de pontapés. Eu, um mero nobre,
um marquês residente na região da fronteira, devo ser visto por ele
apenas como um inseto aristocrático que não merece atenção. Na
verdade, a minha família nunca foi vista com bons olhos pela família
real e isso ocorre há várias gerações. Portanto, era natural que
o rei tivesse esta postura nesse momento de perigo. Mas os meus
impostos ele não quer deixar de receber, aquele sovina.
Sai
da janela e desci as escadas da torre, abri a porta de ferro e vi a
minha família no centro do pátio do castelo. Esforcei-me para dar
um sorriso e dei um beijo em minha esposa e em cada um dos meus oito
filhos. Eles sabiam que nunca mais me veriam, por isso choravam
copiosamente. Orientei para que fugissem pelo túnel subterrâneo que
dava acesso ao rio mais próximo e cujas as águas levavam até as
terras de um dos meus irmãos, o Marquês Miguel Afonso, já na
Espanha. Pedi aos meus vassalos que me vestissem. A minha armadura
era pesada. As minhas pernas tremiam. Um deles me entregou a minha
espada. Colocaram o meu capacete. O meu capelão rezou uma oração
ao meu sucesso. Depois ele fez o sinal da cruz na minha testa. Eu
soltei uma risada, não sei o porquê, não consegui me segurar.
Afastei-o de mim e ordenei que trouxessem a minha montaria. Montei o
meu cavalo predileto e mandei abrir os portões do castelo. Estava
pronto para morrer pelo meu país, assim como um bom nobre deve
terminar a sua vida. Ordenei a um dos meus escudeiros que levantasse
a bandeira com o brasão da minha família e que me seguisse. Também
fui escoltado pelos meus dois últimos cavaleiros ainda vivos. Dei o
meu último aceno para os meus entes queridos. E então desembainhei
a minha espada e segurei com força o meu escudo, pois a batalha
derradeira me esperava...