Alforria

Depois que eu quebrar os meus grilhões,

Quebro também os teus, querida,

Somos essencialmente livres, somos pássaros,

Temos sede de felicidade e de vida,

Beberemos da fonte da liberdade e do sossego,

E, depois de saciados, beijar-te-ei.

Encontro-te...

Massacrado, ofendido, esquecido, desrespeitado,
Pedinte, excluído, desiludido, abatido,
Encontro-te sujo, fedido, amargurado, desidratado,
És mendigo, e pelo mundo foste esquecido,
Encontro-te nos largos, nas ruas, nas praças, abandonado,
Encontro-te, pobre cidadão desencontrado.

Persistência

Um rio não pára de correr por causa de uma pedra no seu caminho,

Os galhos de uma árvore não impedem que a chuva caia sobre o solo,

E nem tampouco as nuvens impedem que os raios de sol invadam a Terra,

Uma flor que nasce nas fendas de uma pedra continua viva, apesar da aridez,

E apesar da aridez, um camelo atravessa um grande deserto carregado de malas,

Assim é a persistência, que teima, que insiste, que persiste, e que em nós existe.

 

Contemplação do Carnaval

Um mar de palcos se espalha pela cidade do Recife,

O Galo da Madrugada faz a guarda na Ponte Duarte Coelho,

As ruas centrais engolidas pelas pessoas, pelos shorts, pelos tênis,

Conquistadas por fantasias, pelos blocos e bandinhas de frevo,

As marchinhas históricas contaminam as pessoas de bem e de mal,

Fazendo-as perder o juízo, fazendo-as dançar, fazendo-as beijar,

E eu, poeta, sou quase atropelado pela multidão de Momo,

Atropelado por essa alegria que dura somente quatro dias,

E que termina na quarta-feira de cinzas, expulsando o povo,

Mas, ainda assim, deixando alguns no velho Bacalhau do Batata.

O Lado Bom das Coisas

Na terra que brota uma flor, também nasce a erva daninha,

O céu que se apresenta azul, também pode virar tempestade,

Mas não é preciso dar valor a erva daninha nem a tempestade,

Para que a vida seja feliz, para que a vida seja positiva e iluminada,

É necessário saborearmos o lado bom das coisas; tal qual um doce,

Que derrete na nossa boca, dando-nos prazer e satisfação.
 

Boa Vista que Chora

Fachadas multicores, arquiteturas diversas,
Ornamentações históricas, aparências variadas,
Algumas casas são casebres, outras são palacetes,
Algumas casas foram da plebe, outras da nobreza,
Mas todas são belas, humanas, artísticas, românticas,
Testemunham um tempo que não volta mais,
Agora querem te destruir quase toda, Boa Vista!
Querem te colocar para baixo em nome do “progresso”!
Almejam apropriar-se de tudo que não seja vertical,
Querem instalar a paisagem dos paredões de luxo,
Paredões frios, de vidro, de concreto armado,
Paredões do porteiro, do zelador e da diarista,
Da babá de madame, do motorista engravatado,
Do executivo, do empresário e do profissional liberal,
A Boa Vista chora copiosamente ao contemplar
Um futuro que vai te renegar por completo e
Batizar-te com um novo e deplorável nome:
Mal Vista!

 

Amor Torrente

Amor intenso, estrondoso, voluptuoso, caudoloso,
Amor que sai de mim, do íntimo do meu coração,
Amor que é chama, que é fogueira, que é fogoso,
Amor tempestade, amor maremoto, amor furacão,
Amor que vem sem educação, num gesto indecoroso,
Amor que demonstro por ti, por meio dessa breve canção.

Convergências

Semelhantes essências,
Almas repletas de afinidades,
Mentes que seguem comuns exigências,
O destino promove encontros assim,
E a alegria é a maior das consequências.