Olhou
por uma das janelas do seu quarto e não viu nada lá fora além do
gigantesco deserto. Era uma noite aparentemente calma do ano de 2049.
O seu pequeno apartamento estava localizado no pavimento superior
daquele módulo habitacional. Morava ali havia quase vinte anos,
desde quando a colônia foi fundada, a primeira na superfície de
Marte. Depois dela, foram criadas mais uma dezena de colônias
espalhadas por todo o planeta, desde os polos até a região
equatorial. A dele se encontrava no polo norte, uma região mais fria
e mais propícia a existência de vida. Chamava-se Afonso e era
português, aliás, nasceu em Portugal e terá que morrer em Marte,
pois estava proibido de voltar à Terra, de acordo com o contrato que
havia assinado antes de viajar ao planeta vermelho. Com exceção das
autoridades políticas e das suas comitivas que visitavam a colônia
esporadicamente, todas as pessoas que estavam ali morreriam ali.
Existia até um cemitério no terreno da colônia para esse fim e que
já houvera sido utilizado por alguns dos seus habitantes que
faleceram de causas naturais e que foram prontamente substituídos
por outros candidatos vindos da Terra.
A
interação com os parentes e os amigos que estavam no planeta Terra
era permitida, porém, rigidamente regulamentada. Uma das cláusulas
do contrato dos colonos destacava que todo e qualquer fenômeno ou
episódio atípico que ocorresse no interior ou no exterior da
colônia não poderia ser informado nas conversas, sob o risco de o
colono perder o direito de interagir com os habitantes da Terra de
uma forma provisória ou definiva, dependendo do grau de complexidade
do fato. Afonso já havia presenciado e ouvido acerca de vários
episódios atípicos, na verdade, já estava acostumado com eles,
desde pessoas que enlouquecerem por causa do isolamento e
enclausuramento na colônia até o avistamento de criaturas
extraterrestres, ou seja, dos habitantes naturais de Marte. Sim,
existiam animais de pequeno porte morando nas terras áridas do
planeta vermelho, aliás, não tão áridas assim, pois existia água
em estado sólido e líquido nos polos, informação que já houvera
sido confirmada pelos robos da NASA e pelo grupo de cientistas da
colônia. Afonso já havia visto criaturas marcianas das janelas do
seu apartamento e até mesmo do módulo do centro de convivência. Na
verdade, já houvera visto até uma dupla de humanóides rondando o
terreno cercado e monitorado da colônia. Todos ali sabiam da
existência desses seres, contudo, não podiam dizer a ninguém na
Terra.
Afonso
trabalhava como garçom de um dos restaurantes e também era
professor de yoga em uma das academias de ginástica da colônia. Tinha dois empregos, contudo, a maioria dos colonos só
possuía um. Não fazia isso por necessidade financeira mas apenas
para fugir da solidão e da depressão que às vezes o acometia, não
possuía esposa nem filhos. Definitivamente, ele sabia que Marte não
era um lugar propício para romantismos e finais felizes. A aridez do
planeta parecia contaminar as pessoas. Tomou uma dose de conhaque
enquanto contemplava a paisagem da janela, se tivesse sorte, veria
algum animal ou quem sabe algum humanóide circulando na parte
externa do complexo ou então tentando entrar no terreno da colônia
e, na sequência, sendo alvejado pela equipe de segurança. Afinal,
isso já havia acontecido alguns anos atrás. De fato, o que ele mais
temia era uma invasão desses seres de preto vestidos de capacete,
ninguém havia visto a fisionomia deles, com exceção da equipe de
segurança, é claro. Lembrou então que teria que acordar cedo no
dia seguinte, a fim de dar uma aula para um grupo de mulheres idosas,
isso se repetia todas as terças e quintas-feiras de manhã. No
entanto, antes que se afastasse da janela, viu um humanóide
caminhando próximo do módulo onde morava e a mais ou menos um metro
de distância das grades de proteção do terreno. Contemplou-o um
pouco assustado. O humanoide parou a sua caminhada, olhou para a sua janela,
depois acenou e foi embora. Então afonso levantou-se da cadeira
satisfeito, colocou o copo vazio na mesa e deitou-se na sua cama.